A casa
Silêncio.
Os sons da casa ainda dormem,
petrificados no ar gélido da madrugada.
O compasso de respirações adormecidas,
longe e perto,
tenta embalar-me e levar-me de novo.
Porém, mantenho-me desperta,
apreciando a serenidade do mundo quando todos dormem
quando todos se perdem em si mesmos
enquanto eu tento apenas encontrar-me.
Aos poucos, o negro do quarto torna-se cinzento
e do cinzento começa a surgir a cor.
Com a cor, despertam também os sons da manhã
e com eles os sons da casa.
O roçagar dos lençóis faz-se ouvir
uma porta range devagar
o soalho estala
cedendo sob o peso de pequenos passos hesitantes.
A casa acorda.
Passos maiores ressoam pelos corredores
tal como o som de conversas ainda sussurradas
as águas dos banhos
os barulhos matutinos da cozinha
e os seus cheiros, sempre os seus cheiros.
Deixo a minha busca e o meu silêncio
e entrego-me a um dia preguiçoso
partilhado com rostos que são os de sempre
mas nem todos os de todos os dias.
As conversas já não são sussurradas
os ruídos já não são cuidadosos.
A casa tem a porta sempre aberta
e recebe sempre alegremente
numa azáfama que se prolonga até à noite.
À volta da mesa,
ao pé da lareira,
em torno da vida.
Assim, do silêncio passou-se ao sussurrar.
Do sussurrar à conversa.
Da conversa à explosão de risos,
às histórias antigas e recentes que não me canso de ouvir.
E assim ficamos horas e horas
até que vamos sendo vencidos pelo cansaço.
Os risos dão então lugar a sorrisos exaustos
as histórias, a pequenas conversas em jeito de despedida.
E por fim, o até amanhã ou até breve
Com o som dos passos a partir
Os sussurros que voltam
E que se apagam novamente com o roçagar dos lençóis.
As vozes calam-se.
As respirações serenam.
E volta o silêncio e com ele o mundo torna a ser pequeno.
E eu volto novamente a mim.
Até adormecer.
Susana Figueiredo, Dezembro/2010
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