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Acordai!

Acordai acordai homens que dormis a embalar a dor dos silêncios vis vinde no clamor das almas viris arrancar a flor que dorme na raiz Acordai acordai raios e tufões que dormis no ar e nas multidões vinde incendiar de astros e canções as pedras do mar o mundo e os corações Acordai acendei de almas e de sóis este mar sem cais nem luz de faróis e acordai depois das lutas finais os nossos heróis que dormem nos covais Acordai! Fernando Lopes Graça José Gomes Ferreira Ouvir (Lisboa Cantat)

Os fumadores das nove em ponto

São nove horas. À frente de uma das torres de escritórios, lá se amontoam eles. Olheiras profundas, rugas vincadas entre o nariz e o queixo, arcos perfeitos que sulcam a fronte, quase todos magros, quase todos de pele cinzenta e macilenta. Dia, após dia, após dia, a mesma rotina que toca de algum modo o ritual. É para muitos o primeiro cigarro da manhã, geralmente solitário, esporadicamente acompanhado por dois dedos de conversa. Segue-se em regra ao parco pequeno-almoço no quiosque ali perto – uma bica e um bolo – e antecede duas horas de trabalho, intenso mas desorganizado. São cinco minutos de ensimesmamento, a pensar na vida, no dia que se segue, no que não foi feito na véspera. Quem por lá passar atrasado, verá apenas um cinzeiro cheio, algumas beatas no chão e sentirá um leve cheiro a tabaco queimado. É o rasto dos fumadores das nove em ponto, que já se apinharam no elevador e desapareceram até ao próximo cigarro.

O mistério da aparente imutabilidade

Há pessoas que parecem não mudar. Ontem, enquanto esperava pelo meu na paragem, olhei para dentro de um outro autocarro e quem vejo? Um rapaz dos tempos da faculdade. Um rapaz que todos os dias apanhava o mesmo autocarro que eu e que se sentava invariavelmente no mesmo lugar. Um rapaz que, apesar de morar na mesma cidade, andar na mesma universidade, ter aulas muitas vezes na sala contígua à minha e apanhar o mesmo autocarro no mesmo horário, nunca me dirigiu a palavra. Nem em resposta ao meu olá. Ali ia ele, sem ouvir música, sem ler um livro, um jornal, uma revista, sem falar com ninguém. Sempre vestido com as mesmas cores - verde, bege, castanho - sempre com óculos do mesmo formato, sempre com a mochila ao colo, sempre com a mesma expressão de lábios cerrados com um leve sorriso sarcástico no canto da boca, quase imperceptível. Cara redonda, cabelo encaracolado e sempre bem cortado, expressão impenetrável. Tudo igual, durante cinco anos. E, quase doze anos depois, ali estava ele. N