Núpcias



Uma inquietação de pólen suspende o voo da abelha. Capturo-a com os dedos da alma, e ouço-a zumbir na minha cabeça, num limiar de memórias que fazem parte de um verão carregado de amêndoas e alfarroba. Veio depois o zangão com o seu canto áspero; e entreguei-lhe esse corpo
deitado na minha mão, queimado pelo sol do meio-dia. Assim, entre os declives da terra e os corais
do olhar, esqueci um presságio de azul.

Ter-me-iam confundido com um antigo profeta, desses que pedem a esmola de uma certeza em cada canto da vida; ou pedir-me-iam o nome de cada um deles para completar os livros de frases inaudíveis como as vozes apagadas pelo vento, como esse murmúrio nascido num eco de travesseiro, como o desejo gritado no instante do naufrágio: e em vão lhes confessei ter perdido todos os sonhos, e nada ter para lhes dar.

Por vezes, digo, este pólen branco que sobra nas corolas secas do inverno serve de alimento aos famintos de amor: e vejo-os partirem pelos campos, em busca de imagens, deixando atrás deles uma penumbra carregada de sentimentos.

Nuno Júdice

Comentários

  1. Que dizer do que começa assim:
    Uma inquietação de pólen suspende o voo da abelha.

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