O que faz a (minha) vida

Um dos princípios por que tento guiar-me é o equilíbrio. É com algum esforço que tento conciliar tudo: fazer bem o meu trabalho, ser uma mãe presente, 'regar o pezinho' de uma relação que já vai em quase onze felizes anos, ter tempo para os amigos, ter tempo para mim, fazer as coisas que gosto... enfim, tirar prazer e o melhor que a vida tem para oferecer e aproveitar ao máximo as oportunidades que ela vai dando, mas sem exageros para não afectar esse equilíbrio que consegui a tanto custo.

Descobri no último ano de faculdade (ainda no século passado...) que sou mais feliz e mais realizada quando consigo fazer um pouco de tudo. Nesse ano, acabei o curso, fui jornalista, fui actriz, namorei q.b. e, com tantas actividades, descobri que é nessa diversidade que está o meu caminho. No entanto, quando comecei a trabalhar a tempo inteiro e decidi ao mesmo tempo fazer um mestrado, achei que não podia ter tempo para o resto. Impus que não poderia ter tempo para o resto, para ser mais precisa. Perdi o equilibrio, demasiado absorvida por um trabalho exigente, por um tema de tese demasiado ambicioso e por uma obsessão exagerada por essas duas áreas da minha vida. Tive a sorte de o André ser a pessoa que é. Se fosse outro, acho que me tinha mandado dar uma curva, porque eu fiquei meio doida. Mesmo. Afastei-me dos meus amigos, afastei-me de tudo, não me permitia nenhum momento de lazer e quando o fazia crescia em mim um sentimento de culpa enorme. Deixei de dormir, perdi peso e, desconfio, perdi uns anos de vida. Mas, apesar de tudo, defendi a tese, terminei o Mestrado e estabilizei a minha vida no emprego. Quando passei a ter tempo livre, estava tão exausta que não me apetecia fazer nada para além de vegetar no sofá. E assim passei mais um ano, a vegetar, sem uma actividade para além do trabalho, sem querer sair, sem querer nada de nada. No fundo, passei do oito ao oitenta. Foram momentos difíceis. Muito difíceis.

Mas nada como uma grande mudança para pôr a vida em perspectiva. Quando fui mãe, tudo se voltou a compor na minha cabeça. Parece que saí de uma longa amnésia e que, finalmente, cheguei à conclusão que já havia alcançado seis anos antes: para ser feliz terei que conseguir encaixar no meu tempo tudo aquilo que gosto de fazer. Tinha vinte e oito anos nessa altura. Sorte a minha, poderia ter saído da amnésia aos oitenta anos... 

A partir daí comecei, muito pela necessidade de conciliação que um filho implica, a gerir melhor o meu tempo. Passei a ser mais eficiente no trabalho, a pensar na maneira melhor e mais rápida de fazer as coisas, a optimizar tarefas, a descomplicar. Passei a ter um horário mais fixo de saída e não foi o fim do mundo. O trabalho sempre apareceu feito, com maior qualidade que anteriormente - no periodo obsessivo -, e eu passei a sentir-me mais realizada. Consegui quebrar o ciclo vicioso em que tinha entrado uns anos antes. Com o passar do tempo, comecei a redescobrir-me. Voltei ao ginásio, que antes da "grande obsessão" frequentava religiosamente, voltei a ter vontade de sair, comecei a interessar-me mais e mais por desenvolver aptidões novas, a criar, a ler compulsivamente. Mais tarde, voltei a escrever como fazia antes, voltei à minha paixão de sempre. E, mais do que isso, reaproximei-me dos meus amigos, em particular da minha melhor amiga que, apesar da minha fase difícil nunca desistiu de mim (obrigado! obrigado!). Procurei recompensar o André pela sua infinita paciência. No fundo, deixei de perder tempo com o pensamento recorrente de que tinha que mudar (é assustador rever as poucas coisas que escrevi nesses anos, quase todas nesse sentido) e mudei realmente. 

É por isso que os meus dias me dão uma satisfação tremenda, mesmo que impliquem uma enorme disciplina para fazer tudo aquilo a que me proponho. É que não há nada como acordar a Cat com uma brincadeira, rir com ela de manhã, ser eu a deixá-la na escola e não delegar essa tarefa a ninguém, ir encostada ao meu grande amor no autocarro (mesmo que ele vá a dormir e eu a ler), começar o dia a analisar o que se passa no mundo, a aplicar aquilo para que tanto estudei, a trocar ideias com as minhas colegas - com quem formo uma equipa de que me orgulho muito -, a trabalhar com prazer, a escutar e a ser ouvida. E gosto de poder aproveitar a hora de almoço para estar com algum amigo ou amiga, para ir ao ginásio ou para ir tirar fotografias e dar um passeio, porque depois volto com mais vontade de continuar. E é bom poder sair e ir buscar a minha filha, conversar com ela, saber como lhe correu o dia, brincar com ela, dar-lhe banho, fazermos o jantar juntas, sentarmo-nos os três à mesa a conversar (estou aqui a ignorar todos os ralhetes à hora da refeição...) e a contar o nosso dia, contar-lhe histórias, fazer vozes estranhas e dizer disparates. E, depois disso, é bom podermos estar os dois, juntos se quisermos, separados se nos apetecer, ele com as pinturas, eu com os meus blogues, as minhas escritas, os meus colares, as minhas fotografias, as minhas malas, enfim, com aquilo que a inspiração do momento ditar.  

Sou feliz. Mesmo. E já não tenho aquele sentimento destrutivo de insatisfação permanente comigo mesma e com a minha vida. Gosto de mim. Gosto daquilo que sou, daquilo que consigo fazer. Gosto de ser capaz de perceber de economia e de mercados financeiros, de perceber minimamente de política, de adorar estatística, de estar nas sete quintas quando tenho que trabalhar séries numéricas, mas também de saber coser à máquina, de fazer colares, de fazer compotas, de me aventurar a fazer os meus próprios cremes e sabonetes, de ter uma horta na varanda ou de andar com uma mala feita por mim. Gosto de ser a mãe que sabe como correu o dia da filha, que conhece as suas amigas, que fala com a professora, que brinca, mas que também sabe ser severa e que educa. Gosto de saber que faço por merecer o amor que o meu amor me dá. Gosto de falar com a minha avó todos os dias e de ouvir as suas conversas intermináveis (há que aproveitar enquanto ela está por cá, ela que é a minha outra mãe), gosto de estar com o meu pai aos fins-de-semana naqueles almoços que ele adora, gosto de me meter com a minha mãe nas suas lides virtuais (sempre com pena de estarmos tão longe), gosto de estar com os meus melhores amigos ao fim-de-semana, de manter contacto com pessoas que estão na minha vida há anos ou que entraram nela apenas recentemente. Gosto de escrever e de fotografar e gosto de ter estes três (.) (.) (.) espaços onde posso fazer essas duas coisas. Gosto de procurar coisas novas, descobrir coisas novas, experimentar coisas novas. Gosto de ler artigos de economia durante o fim-de-semana. Não faz mal se têm a ver com trabalho. Não me importo de trabalhar em casa se puder ter a minha família por perto. Se puder interromper para contar uma história, para dar um beijo, para trocar uma palavra. Estar ali, com eles, mesmo que a trabalhar.

Como tenho tempo para tudo? Não sei, acho realmente que o tempo é o que fazemos com ele. Eu só tento preencher a minha vida com coisas que me dão prazer e tirar prazer das coisas que preenchem a minha vida.

Porque é que estou a escrever isto hoje? Porque hoje foi um bom dia. Estou em São Paulo e apresentei hoje um trabalho que fiz juntamente com as minhas colegas de todos os dias. Somos uma equipa demasiado pequena para o volume de trabalho que temos, mas todas gostamos do que fazemos e gostamos de trabalhar juntas e essa é a nossa força. Fizemos este trabalho gigantesco a seis mãos e coube-me vir apresentá-lo. Foi um voto de confiança que recebi e uma grande responsabilidade. Afinal, não vim mostrar apenas o meu trabalho, mas o trabalho de todas nós. Elas foram incansáveis e o último mês foi muito duro para todas. Estou feliz porque correu bem. Muito bem. Era um momento importante para as três e eu acho que estivemos à altura. E isso significa que somos uma boa equipa. Isso significa também que consegui ser merecedora da confiança que depositaram em mim.

Para além disso, estou feliz porque consegui provar a mim mesma, uma vez mais, que é possível conciliar tudo. Que a minha felicidade está na diversidade. E que o princípio do equilíbrio é "o" princípio. Pelo menos para mim. Pelo menos para a minha vida. 

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