O louco

I

A perfeição.
O objectivo de cada instante
O motor de tudo mais
Na busca eterna,
insaciável,
incansável,
na busca pela perfeição
o louco inicia a sua marcha
Devagar, tacteia prudentemente o caminho
À medida que avança,
O louco sabe até onde pode ir
sabendo também que não será mais perfeito
do que já é
porque é humano.
No entanto, prossegue.
Os passos do louco são cuidados.
Ele saboreia a viagem.
Sente o sol, 
o seu derradeiro raio a tocar-lhe no rosto
não deixando de saber que se der um passo
mesmo que imperceptível
um pequeno passo em frente,
entra nas trevas.
Invariavelmente, o passo é dado
E o louco sente, impotente, que perdeu uma vez mais
Que é, de novo,
o eterno derrotado da sua inexequível luta.

II

Quando o louco passa a barreira
sente o seu senso, transformado em ar e sangue, a fugir.
Os pulmões ficam plenos de um ar viscoso
que deixa de ser ar.
As veias esvaziam-se de sangue deixando um nada
que passa a estar repleto de medo.
A inércia é atroz.
Todos os músculos se tolhem.
E o louco debate-se sem um único movimento.
Porque nada mais pode conseguir.
Numa luta que já não é sua.
Então vem o pânico.
Pânico de ver que o que está para além da porta
É o menos perfeito que já alcançara
É o mais podre.
E, então, tudo se desmorona.

III

Da boca solta-se um uivo de dor.
Da pele nada mais fica do que frio.
Do olhar morre toda a esperança.
Do ouvir, apenas o som da derrota.
Do sentir, nada.
E então o louco precisa sentir,
Ouvir mais do que despojos de guerra
Olhar para um outro horizonte.
A pele tem que estar quente.
A dor tem que estar na pele,
na carne,
na matéria.
E é então que o louco transforma a inércia em raiva.
Em ódio.
Numa punição de si mesmo.
Até doer.
Até sentir.
Até voltar a ser.

IV

E, então, o louco sossega.
Sabendo, porém, que tentará novamente.


Susana Figueiredo, 2004

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