A sala
Fecha os olhos. Imagina-te numa sala sem portas, sem janelas. O ar está viciado, quente, a roupa cola-se ao corpo. A boca está sequiosa por uma gota de água doce. Não gostas do que sentes, mas já te habituaste.
Pensas no que farias se se abrisse uma janela no nada que te rodeia. Acreditas estar melhor assim. Ser-te-ia insustentável respirar o ar de outros ventos, sentir a chuva a entrar pelos teus poros, a envolver-te nos seus dedos languidos. Tragar a água que o céu te dá. Insustentável.
Para quê arriscar que a luz me cegue, se a escuridão me permite não perder a visão? Mas o que vês tu, no escuro? Não vejo, mas poderia ver. Para quê arriscar? Estou na melhor situação possível.
Contentas-te com a tua pele pegajosa, conténs a tua sede. O conformista. O conformado. Tudo porque julgas estar melhor assim. Porque poderias voltar a sentir o vento, a chuva, a luz, tudo isso. Mas poderias perdê-las de novo. É isso que temes. Que te voltem a fechar na sala escura e húmida. É melhor ficar.
Estou nessa sala, acreditas? Mas já não suporto o ruído do breu, não suporto o meu próprio cheiro, impregnado na roupa, no chão, nas paredes. Mal me lembro de como se fala, porque não falo comigo, porque não quero que o som da minha voz me faça pensar que lá fora há outra voz que me pode, que me quer ouvir.
Então penso: e se, pelo menos, houvesse uma nesga de luz? Escorrego lentamente pela parede encharcada. Eu. A parede. Tudo escorre água, a água amarga que me mata a sede, que me mantém viva. E que me faz pensar no sabor da água doce.
Fito a parede em frente. A fresta. A nesga. A FRESTA!
Cerro os olhos para não a ver, mas aquele traço branco-amarelo mantém-se dentro de mim, martela-me, revolta-me. Porque eu sei que ela existe, está ali, está agora dentro de mim. E por mais força que faça, o seu eco permanece nos meus olhos, que afinal não cegaram.
Enrolo-me sobre mim e penso: e agora? Passo os dedos por ela, sentindo o ar gélido, o cheiro a terra revolta e molhada. Cheiro-a e invade-me um medo atroz. Pânico, digo eu. Sinto a água da chuva envolver os meus pés. A sala deixou de ser exclusivamente minha...
Quero alargar a fresta.
Quero passar.
Não vou conseguir.
Não estou a conseguir.
Quero.
Não quero.
Volto para a minha parede.
E choro.
Choro porque quero.
Choro porque o pânico assim quer.
Choro.
De molhada passo a estar ensopada, não sei se por causa das lágrimas, se por causa da água que escorre da parede. Não é isso, porém. A chuva entrou de supetão pela nesga, que já o não é mais. Porque água é sempre água. E juntou a sua doçura ao sal das minhas lágrimas e ao acre da água que escorria da parede. E os dedos da chuva, que é um rio, transformam-se em mãos, braços e envolvem este pequeno ser. Como nem a escuridão nem a luz tiveram força para me cegar, fecho os olhos. Vou?
Leva-me.
Pensas no que farias se se abrisse uma janela no nada que te rodeia. Acreditas estar melhor assim. Ser-te-ia insustentável respirar o ar de outros ventos, sentir a chuva a entrar pelos teus poros, a envolver-te nos seus dedos languidos. Tragar a água que o céu te dá. Insustentável.
Para quê arriscar que a luz me cegue, se a escuridão me permite não perder a visão? Mas o que vês tu, no escuro? Não vejo, mas poderia ver. Para quê arriscar? Estou na melhor situação possível.
Contentas-te com a tua pele pegajosa, conténs a tua sede. O conformista. O conformado. Tudo porque julgas estar melhor assim. Porque poderias voltar a sentir o vento, a chuva, a luz, tudo isso. Mas poderias perdê-las de novo. É isso que temes. Que te voltem a fechar na sala escura e húmida. É melhor ficar.
Estou nessa sala, acreditas? Mas já não suporto o ruído do breu, não suporto o meu próprio cheiro, impregnado na roupa, no chão, nas paredes. Mal me lembro de como se fala, porque não falo comigo, porque não quero que o som da minha voz me faça pensar que lá fora há outra voz que me pode, que me quer ouvir.
Então penso: e se, pelo menos, houvesse uma nesga de luz? Escorrego lentamente pela parede encharcada. Eu. A parede. Tudo escorre água, a água amarga que me mata a sede, que me mantém viva. E que me faz pensar no sabor da água doce.
Fito a parede em frente. A fresta. A nesga. A FRESTA!
Cerro os olhos para não a ver, mas aquele traço branco-amarelo mantém-se dentro de mim, martela-me, revolta-me. Porque eu sei que ela existe, está ali, está agora dentro de mim. E por mais força que faça, o seu eco permanece nos meus olhos, que afinal não cegaram.
Enrolo-me sobre mim e penso: e agora? Passo os dedos por ela, sentindo o ar gélido, o cheiro a terra revolta e molhada. Cheiro-a e invade-me um medo atroz. Pânico, digo eu. Sinto a água da chuva envolver os meus pés. A sala deixou de ser exclusivamente minha...
Quero alargar a fresta.
Quero passar.
Não vou conseguir.
Não estou a conseguir.
Quero.
Não quero.
Volto para a minha parede.
E choro.
Choro porque quero.
Choro porque o pânico assim quer.
Choro.
De molhada passo a estar ensopada, não sei se por causa das lágrimas, se por causa da água que escorre da parede. Não é isso, porém. A chuva entrou de supetão pela nesga, que já o não é mais. Porque água é sempre água. E juntou a sua doçura ao sal das minhas lágrimas e ao acre da água que escorria da parede. E os dedos da chuva, que é um rio, transformam-se em mãos, braços e envolvem este pequeno ser. Como nem a escuridão nem a luz tiveram força para me cegar, fecho os olhos. Vou?
Leva-me.
Susana Figueiredo, Nov/99
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